Após a afirmativa pioneira do ministro Guido Mantega de que estamos vivendo uma crise cambial, é bom que o tema fique esclarecido.
A crise cambial a que o ministro se refere é bem diferente daquela que aconteceu no Brasil e em outros países emergentes nos anos 90, iniciado com a crise do México em 94, que deu uma estremecida no nosso real, depois a da Ásia em 97, a da Rússia em 98, e a do Brasil, em 1999.
Essas crises cambiais diziam respeito a fortes desvalorizações das moedas locais em razão da total incapacidade de honrar compromissos externos. Traduzindo, havia menos dólares nas contas dos países do que aqueles necessários para o pagamento dos credores externos.
Esta situação comprometia até mesmo as importações de produtos essenciais. Sem dólares na conta, ficava difícil obter os produtos necessários que, no caso do Brasil, poderíamos destacar o petróleo e alguns itens necessários à produção de medicamentos.
A ausência de dólares em caixa, após a crise de 1999 levou o País a mudar de comportamento com relação aos produtos importados, levando-nos a voltar a adotar as políticas de “substituição de importações”, igualmente implementada no Brasil nos anos 80, quando, novamente, havíamos sido vítimas da falta da moeda estrangeira (que nos levou até mesmo a decretar uma moratória no governo do presidente Sarney).
Voltando à questão da substituição de importações, preciso deixar claro que, se o outro país for mais “eficiente” que nós em produzir um determinado bem, a produção deste bem somente será economicamente atrativa para os agentes se houver algo de artificial que “corrija” o diferencial.
Vale dizer que o “eficiente” entre aspas quer dizer não apenas a capacidade, ou a técnica de produção, mas pode derivar também de medidas artificiais, como é o caso do câmbio, de subsídios (lê-se “subCídios”) e de uma série de outras possíveis artificialidades introduzidas no âmbito governamental ou no empresarial.
No nosso caso, o que possibilitava a substituição era a taxa de câmbio que estava muito desvalorizada, isto é, o preço do real estava muito baixo (ou o do dólar muito alto). Dessa forma, quando você vai fazer uma importação e olha a quantidade de reais que precisa para comprar um determinado bem em dólares, e compara com o preço daquele bem internamente, começa a ficar mais em conta a opção doméstica.
Dito tudo isso, devemos pensar no que está acontecendo agora com a declaração de que estamos vivendo uma crise cambial em nível global. O dólar está muito barato. Assim, o que está acontecendo é uma espécie de “substituição de importações” dos EUA. A oferta exagerada de recursos na quele país faz com que a cotação da moeda perca valor, pois a mesma “perde força”. Os efeitos são dois: o primeiro é que o custo de produção diminui, porque, sem juros (a moeda com muita disponibilidade significa uma taxa de juros muito baixa), os investidores ficam mais dispostos a produzir (obviamente, eles estão olhando a pouca quantidade de pessoas empregadas dado o elevado nível de desemprego), por outro lado, os produtos importados ficam mais caros.
Com esse quadro, ou os exportadores diminuem o valor dos seus produtos, ou deixam de vender para o maior consumidor do mundo.
Resultado: os países que estão sendo afetados vão chiar, como já começou a fazê-lo o ministro brasileiro.