O sistema de crédito americano, pelas suas dimensões, transformou tudo em estatística. A mais conhecida delas aqui por nós é o que ouvimos na televisão, falando de grau de investimento. “o Brasil vai atingir em breve o grau de investimento…”

O que é isso? Como estava dizendo, todas as operações de crédito (ou as empresas, países e pessoas) recebem uma nota que pode ser associada à probabilidade do empréstimo apresentar problemas. Para quem está acostumado a assistir filmes nos quais aparecem escolas daquele país, vê que não se tira “dez”, mas “a”, “b” ou “c”. No caso da classificação de crédito (feita pelas agências classificadoras de risco), as mais conhecidas atribuem a nota de “AAA” a “D”. A última é “não pagou” e a primeira é uma escala para dizer que o cara tirou um “super dez”. Grau de investimento é, portanto, um intervalo de notas que, em sentido escolar significa que o aluno foi aprovado. Alguns fundos de pensão internacionais só podem aplicar os recursos em países cujo risco de crédito seja considerado grau de investimento.

O que isso tem a ver com os subprimes imobiliários? Qual foi a “grande” idéia? A “grande” idéia, como disse o colunista John Kay do Financial Times: foi a alquimia para transformar lixo em ouro.

Qual é a fórmula dessa alquimia? Como o negócio é probabilidade, fazemos assim: juntamos um monte de financiamentos imobiliários cujo crédito do mutuário é de baixa qualidade (subprime) e colocamos todos eles em uma espécie de “contrato único”. Vamos chamá-lo de CMO. Este “contrato único” é vendido a várias pessoas que esperam receber um valor mensal, pago com os recursos obtidos com o pagamento das prestações dos imóveis. Quando falo “vendido”, quero dizer que os investidores pegaram seus recursos e os transferiram para o gestor da CMO. Com estes recursos, o gestor “comprou” as hipotecas das empresas especializadas em conceder crédito imobiliário (mortgage financial companies). Com o dinheiro recebido pela venda dos empréstimos, as empresas faziam novos empréstimos que eram vendidos a novos investidores e por aí foi.

Voltando à questão do risco de crédito e da classificação, a venda dos contratos únicos é feita de forma fatiada. Cada fatia dessas, que chamaremos de “tranche”, caracteriza-se pela quantidade de risco que o comprador está disposto a arcar. As tranches (fatias) são classificadas e recebem notas como as demais operações de crédito daquele mercado. Quanto mais baixa a nota, maior a taxa de juros que o comprador (investidor) da tranche recebe. Note bem: quem compra (investe em) uma das fatias, não adquire uma quantidade de financiamentos imobiliários específicos X, Y e Z, mas sim o seu quinhão resultante das prestações coletadas, isto é, todo mês, as prestações referentes ao total dos financiamentos adquiridos por uma determinada CMO são coletados e depositados em uma única conta. Dessa conta, são tirados os juros a serem pagos aos compradores da tranche “AAA”, do que restar são tirados o juros dos compradores, “AA”, e assim por diante. Se algumas pessoas não pagarem, quem deixa de receber são os investidores nas tranches (fatias) de maior risco.

Obviamente, como já mencionei, os juros pagos ao investidor “AAA” são muito menores do que aqueles que ficam com as tranches de maior risco. Afinal, se der problema, são eles quem não vão começar a arcar com as perdas. Note que a tranche BBB pode não ser suficiente para arcar com a perda, o que levará a tranche “A” a amargar perdas e assim sucessivamente.

Depois a gente detalha as conseqüências dessa “engenharia financeira”.