A dependência do Estado por parte das instituições financeiras vem, em geral, de dois lados: o primeiro é a receita gerada pelo endividamento do “Leviatã” e o outro é a proteção do sistema, de modo a proporcionar mais clientes dispostos a confiar seus recursos às empresas autorizadas a operar no mercado de crédito.
Não vamos falar desta parte final aqui, para manter o foco em algo que seria classificado, no mínimo, de curioso. Vamos a ele:
A renda das instituições financeiras que advêm de operações com o governo sempre foi alta, em função do elevado grau de endividamento público brasileiro, associado às caras taxas de juros cobradas do Estado. O que não se sabia, todavia, é que não é só nesse aspecto que se nota a preponderância deste Estado na economia. Ela também se verifica nas operações com recursos livres realizadas com pessoas físicas. Estas operações são aquelas nas quais os bancos utilizam o dinheiro que não tem um direcionamento obrigatório. Diferentemente, por exemplo, de 65% do total de recursos da poupança, que têm destino obrigatório para o financiamento imobiliário, o que sobre pode ser aplicado em qualquer outra modalidade de crédito praticada pela instituição financeira.
O que acontece com esses recursos livres, então? No caso do montante alocado para as pessoas físicas, em julho deste ano, conforme consulta às séries temporais disponíveis na página do Banco Central do Brasil, R$ 240 bilhões estavam emprestados no crédito consignado, contra R$ 23 bilhões no cheque especial, R$ 185 bilhões no financiamento de veículos, R$ 110 bilhões em crédito pessoal não consignado, 28 bilhões no crédito rotativo do cartão e outros R$ 12 bilhões no parcelado.
Se tomarmos o total do crédito com recursos livres emprestados para pessoas físicas, equivalente a R$ 759 bilhões (pouco mais de 50% do total do crédito com recursos livres), o consignado responde por 31,6% do saldo.
Embora alguns possam dizer que é uma distribuição sadia do crédito, há uma informação interessante: mais de 92% do crédito consignado está direcionado a servidores públicos e a beneficiários do INSS, ou seja, dependem do Estado. Isso mesmo: do total de crédito para pessoas físicas, 29% do crédito com recursos livres para pessoas físicas derivam de relações com os entes públicos, só no crédito consignado (sem contar as outras operações realizadas por servidores que não estão divididas por origem do rendimento do tomador). Do total de R$ 240 bilhões, R$ 148 bilhões foram contratados com servidores públicos e outros R$ 73 bilhões com aposentados e pensionistas do INSS.
Nesse caso, se observarmos que o risco da operação, tendo em conta a contratação de seguros de vida (modalidade prestamista) para os tomadores, acaba sendo o Erário, o que, de certa maneira, garante uma rentabilidade um pouco maior do que a taxa Selic.
Dizer, portanto, que a atividade financeira é puro mercado parece contrariar um pouco os números.
Crédito da foto: seier+seier (flickr)