O comentário de hoje é uma resposta a uma provocação de um amigo sobre o termo “decoupling”, utilizado para caracterizar o “descolamento” (ou ao pé da letra “desacoplamento”) da economia dos países emergentes do “âncora” Estados Unidos.
Um dos indicadores de crescimento é o nível de investimento. A teoria econômica diverge um pouco sobre as formas pelas quais esse investimento é fomentado, mas vou advogar para Keynes nessa postagem. Para aquele economista, o que fomenta o investimento é um grande risco para o agente e a perspectiva do futuro tem muito a contribuir para as ações desses agentes.
Diante disso, quando falamos em um descolamento das economias periféricas, devemos ter em mente que se o investidor chinês (que em muitos casos é estrangeiro) percebe que há uma desaceleração pela frente, o seu nível de investimento irá reduzir e sua ânsia empreendedora tende a se amainar. É fato que a esperança é a última que morre e, assim como os investidores em ações nos momentos de crise, os agentes empreendedores ainda têm esperança de que tudo vai passar e que voltará a ser como era.
Por essa razão, não acho que esteja havendo descolamento, mas sim, que está ocorrendo o mesmo efeito quando se aumenta ou diminui os juros: os efeitos na economia só serão visíveis depois de algum tempo.
Prezado amigo Beto Veiga,
Como eu acredito que fui eu o autor da “provocação”, quero comentar algo sobre ela.
De fato, pelo que andei acompanhando dos mercados nos últimos 30 dias, não houve, até o momento, qualquer tipo de “decoupling” entre os mercados financeiros do resto do mundo e o da “matriz” (EUA). Um caso emblemático talvez seja o comportamento dos mercados em 21/02/2008 – feriado em NY, portanto, sem operações naquela praça: as Bolsas do mundo inteiro despecaram pois ficaram sem sua referência principal – Nova York.
Além disso, quem acompanha a Bolsa diariamente sabe que os indicadores do Brasil e dos EUA se movimentam, com raríssimas exceções, simultaneamente nas mesmas direções.
Esses dados, portanto, corroboram sua brilhante e sucinta explicação sobre o assunto. Entretanto, eu gostaria de colocar duas opiniões que ouvi recentemente sobre o “decoupling” e que acho relevantes.
A primeira é a do economista “José Roberto Mendonça de Barros”, que, em uma entrevista para o jornal “Valor Econômico” da edição de 28/01/2008, sustentou que o “decoupling” se refere à economia real, e não aos mercados financeiros. Reproduzo a parte da entrevista na qual ele introduz tal opinião: “Se isso se confirmar [eficácia nas medidas adotadas pelas autoridades monetárias], acaba ainda por prevalecer uma certa questão do ‘decoupling’. Um parêntese: muita gente está dizendo que o descolamento morreu porque as bolsas do mundo inteiro caíram. É um argumento equivocado. A idéia do descolamento se refere à economia real. O mercado financeiro está integrado no mundo inteiro. É impossível ocorrer uma queda forte numa bolsa importante sem que isso aconteça em outras praças. O teste de verdade é o que vai ocorrer com o ciclo econômico. “
Na minha opinião, porém, se os mercados financeiros antecipam o que ocorre na economia real, obviamente teriam também que se descolar em algum momento: não há lógica em uma situação em que os lucros das empresas estão aumentando e o preço de suas ações caindo.
A outra opinião que ouvi, é a do economista Ricardo Amorim, em uma intervenção no programa “Manhattan Conecttion” do último domingo (27/01/2008). Segundo Amorim, haverá sim o “decoupling” pois os mercados emergentes continuarão a crescer mesmo com a provável recessão na economia americana, tendo em vista que as principais economias emergentes – China e Índia – já estavam, antes da crise, com níveis de crescimento econômico muito elevados, e, portanto, estavam estudando medidas para reduzir um pouco o nível de expansão – provavelmente medidas de política monetária para reduzir o consumo interno. A crise nos EUA, portanto, permite que tal ajuste seja feito pelo setor externo dessas economias, fazendo com que não sejam necessárias medidas para conter a demanda interna nessas economias. Assim, sem qualquer alteração nos regimes cambiais e monetários da China e da Índia, o crescimento dessas economias cairia para algo em torno de 8% ao ano, crescimento este, de economias grandes e importantes, porém, sustentaria os demais mercados emergentes, inclusive o Brasil. Estaria, portanto, configurado o decoupling.
Bom, fica a contribuição aí para o debate.
Grande abraço e parabéns pelo livro e pelo Blog.
Fábio Mendes
(mendes.fl@gmail.com)