Para quem não se lembra, nos anos 80 nós vivemos uma crise imobiliária, assim como logo após a implementação do Plano Real, o mercado também estava muito ruim para os imóveis. Juros altos e preços estagnados levaram muitos brasileiros a pararem de pagar seus financiamentos hipotecários. Mas, e agora? Como está a situação?
Infelizmente, para a tristeza do leitor, não há muita certeza ainda de como andam os ventos na indústria da construção residencial e comercial, tampouco de como se comportará o preço dos imóveis. De qualquer forma, uma interessante matéria sobre o assunto foi publicada pela Wharton e eu vou discutir alguns pontos específicos.
“O Brasil vive atualmente um boom imobiliário sem precedentes, e embora o sistema financeiro local pareça operar em condições sadias e estáveis, a preocupação dos analistas internacionais é cada vez maior devido às semelhanças com o cenário que deflagrou a crise do subprime nos EUA em 2008.”
Que estamos vivendo um boom imobiliário até a velhinha de Taubaté tem conhecimento. Principalmente em grandes cidades. Isso acontece porque a captação de recursos para a oferta de imóveis acaba concentrando os investimentos nestes locais. A questão da semelhança com o subprime decorre da “invasão” dos vendedores para as camadas de menor poder de compra da população. A mesma camada que já está com o crédito até o pescoço.
Que faltam imóveis para a população, não há quem queria questionar, o ponto é: também falta dinheiro para esta população que não tem imóveis. Em uma conversa com um corretor de uma grande imobiliária da cidade, me foi dito que os processos de empréstimo, que foram “terceirizados” no sistema de correspondente, estão sendo feito de modo meio displicente, mesmo porque os corretores envolvidos não têm um treinamento eficiente na área de concessão de crédito. Isto sim pode causar dano à integridade do sistema, principalmente se o nível de endividamento comprometer os tomadores de crédito no setor privado, isto é, nos bancos comerciais e nas financeiras.
Os esquemas de securitização de recebíveis também estão crescendo (vide O que é CRI), mas inda não chegamos no mundo do imaginário, com a utilização de derivativos de crédito. Creio que está bem longe disso.
Segundo a matéria, “Um dos primeiros a dar o sinal de alarme foi Paul Marshall, diretor de informações da Marshall Wace, fundo de hedge de Londres e um dos mais importantes da Europa.” O diretor chamou a atenção para o elevado custo financeiro (que novidade…) da dívida dos brasileiros no Financial Times, afirmando “que [os brasileiros] pagam taxas de juros reais entre 20% e 25% pelo crédito imobiliário”. E aí ele realmente tem um ponto. O custo do crédito imobiliário, em que pese o fato de ser mais barato do que outras opções de empréstimo, pelo fato de ser mais longo e aplicar-se a um montante elevado, tende a capturar boa parte da renda do comprador de imóveis de baixo poder aquisitivo. Devemos nos lembrar que 5% é uma taxa alta, calculado sobre R$ 500,00 representa R$ 25,00. Já 0,5% aplicado sobre R$ 100.000,00 custa R$ 500,00, isto é, 20 vezes mais. Isso fora a amortização.
Conforme o texto, a parcela da renda dos mutuários comprometida com o pagamento de prestações imobiliárias saiu de 25% para 40% no período de 4 anos (de 2006 a 2010). Pode ter certeza e que é muito. Ainda que o sistema de amortização seja desenhado para uma curva descendente das prestações, este percentual afeta muito fortemente a possibilidade de pagamento dos devedores, principalmente se a renda deles for baixa.
Lembre-se que, como há uma série de pessoas envolvidas na “cadeia de produção” destes empréstimos, e cada um ganha a sua parcela, há incentivos suficientes para forçar a venda dos imóveis. Todos têm interesse em tirar o seu pedaço, em especial aqueles que não irão se deparar com o risco de crédito mais à frente.
Amanhã a gente continua.