Este é um pequeno ensaio sobre o tema. Quem sabe pode virar artigo em um futuro próximo.
Talvez, no passado, pudéssemos até dizer que uma das principais características dos títulos de crédito era a “cartularidade”, que pode ser definida como a existência de uma cártula, ou um documento físico no qual estão assentadas as condições daquele título específico.
O que estamos presenciando nos dias de hoje é a chamada “desmaterialização” dos títulos de crédito, mais especificamente daqueles voltados às vendas mercantis, como é o caso das duplicatas, bem como dos que envolvem a negociação de créditos financeiros, de que são exemplo o CDB (o que é CDB), as Debêntures, as Letras Hipotecárias, etc. Tudo isso resultante, por óbvio, da informatização e digitalização do mundo.
O fenômeno que se observa com relação ao cheque podemos dizer que é um pouco diferente, tendo em conta que neste caso, o que está havendo é a sua substituição por outra modalidade de serviço financeiro, denominada cartão múltiplo, isto é, aquele que agrega as funções de crédito e de débito em um único instrumento “plástico”. Registre-se que nada garante que ele – cartão de crédito – tenha vindo para ficar, porque o suporte físico sobre o qual se “materializa”, assim como os títulos de crédito, também está passível de modificar-se, dada a massiva presença de dispositivos eletrônicos em poder da população. Tais dispositivos, atualmente, já são capazes de “desmaterializar” este instrumento e torná-lo tão obsoleto no futuro quanto o cheque estará.
O que podemos afirmar é que a luta pela “plataforma de pagamentos”, isto é, todo o sistema que faz a coleta de operações de venda e a respectiva compensação e liquidação dessas transações, associando comprador, credor e vendedor, será constante, embora tenha sido muito bem protegida até a data presente.
Voltando ao tema da cartularidade, consideramos haver dois pontos fundamentais a discutir: a) a movimentação do título e
b) a feitura de prova.
No que se refere ao primeiro caso, a característica da cartularidade se fazia necessária em razão da necessidade dos comerciantes realizarem transações a longas distâncias e à ausência de instrumentos de comunicação que possibilitassem a comprovação, perante um terceiro, da existência do título. Este ponto pode ser entendido como superado, vez que as transferências financeiras em tempo real, sejam elas feitas com base em recursos líquidos depositados nas contas de quem está pagando, ou realizadas com origem em concessão de crédito de instituições autorizadas para tal, atende perfeitamente a este intento.
No que tange à feitura de prova, embora toda a tecnologia possa nos assegurar a veracidade dos “documentos eletrônicos” que circulam na forma digital, ainda há um bom caminho a ser trilhado antes que se possa utilizar de forma mais intuitiva, ou natural, tais documentos. No presente momento, a perícia técnica se torna indispensável ao processo de validação de assinaturas eletrônicas, bem como dos termos contratuais dispostos e, sobre os quais, tenha havido acordo.
Enquanto as empresas e instituições financeiras têm à sua disposição um sistema de validação dos acessos, caberia ao particular, se ele assim procedesse, o trabalho de, constantemente, copiar imagens de computador e armazená-las para, em caso de demanda judicial, fazer prova de sua tese. Todavia, há sempre a possibilidade de socorrer-se do benefício da inversão do ônus da prova com base no que estabelece o Código de Defesa do Consumidor.
Voltando à questão da prova na lide entre iguais, ainda há espaço para que a tradicional cártula se faça sentir útil e prática.
Assim, concluímos que, se por um lado o princípio da cartularidade é desnecessário de um lado, e que os instrumentos de prova existem mas podem ser melhorados, embora haja espaço para a existência material dos títulos de crédito, acreditamos que, em futuro próximo, ela não mais será precisa.