Trabalhei por volta de um ano e meio com a realização direta de operações de crédito. A empresa para qual prestava serviços possuía creio que 4 filiais e aquela na qual ficava, tinha um desempenho em termos de volume de operações de crédito muito abaixo das demais, mas a inadimplência de algumas das outras superava as nossas operações. Posso dizer que a nossa perda de crédito foi inferior a 0,1% do que operamos em todo o período de negócios.
Quanto ao volume, não que faltassem na nossa região propostas de negócios a serem feitos, mas a qualidade dos mesmos era extremamente duvidosa. Eu ficava impressionado com o que nos passava pelas mãos. Eram realmente coisas que eu chamaria “do além”. A gente ouvia dos candidatos a devedores cada papo furado, cada história sem pé nem cabeça, que dava até vontade de rir (caso contrário, pensaria que o cara estava me chamando de idiota…). De fato, eu ficava com vontade era de chorar, porque tínhamos que dar retorno ao proprietário e não via naquele monte de papel que passava pelas nossas mãos a menor chance de que o dinheiro voltasse devidamente corrigido com os juros.
Quando eu dava uma rodada pelas empresas do mesmo gênero da cidade e questionava como estavam os negócios, a resposta era sempre positiva: “tudo ótimo!”. Aí, eu parava para perguntar sobre as operações dos tais contadores de história mencionados e, em geral, estavam operando com eles. Muitas vezes perdia meu tempo discutindo acerca da racionalidade da operação, numa tentativa de não me sentir isolado naquele mundo da fantasia. Inútil. Tudo o que eu falava era rebatido com a argumentação muitas vezes apresentada pelo devedor. O cara que concedia o crédito simplesmente repetia a ladainha.
Eu ficava só vendo a complicação acontecer. E acontecia, inevitavelmente.
Estou contando esta história toda, porque fico pensando no que acontece na prática com o crédito. O banqueiro tem que ter a verdadeira dimensão do negócio. Tem que entender. Tem que prestar atenção. Tem que estar no dia a dia.
Você vai me perguntar se eu estou ficando maluco. Imagine um grande banco com dezenas de milhares de operações entrando no detalhe…É verdade, eu sou meio maluco mesmo. Acontece que quando esta dimensão se perde, os computadores ainda não estão aptos a perceber as nuances do crédito. Para piorar, você tem toda uma “cadeia alimentar” que é sustentada pelo ganho resultante da imaginária margem (spread). Chamo de imaginária porque só se concretiza quando a operação é liquidada. Até lá, estamos falando em tese.
Como eu já falei em outra postagem, as operações de crédito dos bancos são feitas com a maioria dos recursos de outras pessoas. Os chamados “reguladores” do sistema (aqueles mesmos que não viram um banco vender “carteiras de crédito fantasmas” para três dos maiores bancos do País, que, aliás, os três, caíram no conto do vigário, mas foram restituídos pelo FGC) são imaginados para dar um ar de “segurança” ao sistema, coisa que, da forma como é feita, em qualquer lugar do mundo, me lembra muito a fala que já se popularizou: “lucros privatizados e prejuízos socializados”. Assim até eu regulo.
Como a remuneração dos executivos e o possível lucro dos acionistas advém do resultado apresentado, há um grande apelo para conceder crédito de forma massiva. Aliás, é o crédito quem irá remunerar o dinheiro captado do investidor, e pagar as comissões.
O resultado não me parece ter mudado muito com relação a o que vivi no meu segundo estágio na carreira. A mesma fantasia. A mesma história da carochinha. A mesma fragilidade na concessão de crédito.
Já vimos vários bancos pequenos quebrando. Aliás, vimos o que poderíamos denominar de bancos médios. E em todos os casos, ainda que tenham sido salvos por algum “lero-lero” qualquer que sirva de explicação, o problema é o velho e básico crédito. Aliás, a última que li no Valor de sexta-feira passada foi que o banco não poderia quebrar porque tinha vários acionistas na bolsa?! Esta aí se superou. O pior é que tem gente que compra. A ideia parece ser a de “vamos deixar tudo muito tranquilo enquanto as coisas vão indo bem, depois a gente vê”.
A despeito do que possam imaginar os populares, não é qualquer banco que dá lucro. Aliás, assim como qualquer negócio, quando se perde o pé da realidade, não tarda a chegar o fracasso. E aí começa todo o processo da famosa “bicicleta”, o banco começa a tomar dinheiro emprestado (CDB, LCI, Poupança, etc.) não mais para emprestar (CDC, Cheque especia, Cartão de Crédito, etc.), mas para pagar ao depositante que está sacando o dinheiro do banco.
Como contribuintes só nos resta tomarmos uma atitude contundente, ou pagar a conta quando ela chegar. Pelo desempenho histórico, creio que colocarei minhas fichas na segunda opção.
Meu caro, excelente texto! De fato, o crédito está mais para arte do que para ciência. E, de fato, é maior o número de bancos que quebraram do que o número daqueles que sobreviveram. E mesmo aqueles que aparentemente sobreviveram já quebraram, mas foram comprados por outro e mantiveram o nome. O Citibank é um exemplo: já quebrou umas 3 vezes nos EUA, mas continua por aí. Aqui no Brasil, vários bancos quebraram com o fim da inflação, e foram saneados com o seu, o meu, o nosso, no PROER. Enfim, aquela história que o melhor negócio do mundo é um banco bem gerenciado, e o segundo melhor é um banco mal gerenciado serve só como piada. Resta-nos a nós, correntistas e investidores em CDB, ficar atentos e não cair no conto de que “banco nunca quebra”.
Abraço!
Senhor Humberto Viegas!
Seus textos e argumentos são muito bem fundamentados e de agregação de seus leitores ao conhecimento completo das instituições financeiras.
Parabéns!
Abraço!